Relacionamento após um trauma: Um desafio constante

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Voltando a encontrar os amigos

 

Após retornar para a minha cidade natal e conseguir resolver parte dos meus problemas com saúde, desemprego e finanças, passei a voltar a ter algum interesse em me divertir.

Foram vários meses trancada dentro de casa saindo apenas para academia e trabalho. Eu já estava me sentindo um pouco viva e resolvi aceitar convites de amigas para sair. Sempre muito cautelosa e sem buscar compromisso com ninguém, conheci alguns homens, mas nada avançava para coisas mais importantes. Eu não permitia.

Então 3 anos após o meu retorno, conheci um estrangeiro. Esse tempo de 3 anos parece uma medida padrão inconsciente. Recentemente pude perceber que existe sempre um espaço de tempo de 3 anos entre um relacionamento e outro em minha vida.

 

Um estrangeiro em minha vida

 

Esse estrangeiro foi apresentado por uma grande amiga de infância. Eles são vizinhos lá no país em que moram. Eu estava em uma fase de não querer me relacionar com ninguém, mas ela insistiu que eu deveria conhecer. Foram muitos elogios. Aceitei.

Nos falamos por vídeo rapidamente e em seguida ela passou o meu contato para ele. Logo no dia seguinte recebi mensagens bem cedo. O gringo estava focado. Ela já deveria ter contado sobre mim até porque ela me falou muito sobre ele sempre com vários elogios.

Passamos a nos falar diariamente e inclusive por vídeo. Com menos de 2 meses ele veio para o Brasil. Fiquei assustada. Eu estou muito ferida e não sou mais aquela mulher corajosa de antes, mas o risco era calculado. Ele havia sido recomendado por uma das minhas amigas, ou seja, não era um desconhecido completo

 

Conhecendo pessoalmente

 

Fui busca-lo no aeroporto, mas jamais deveria ter ido e vocês vão entender o motivo.

Ele reservou um Airbnb em frente ao mar e eu informei a minha família exatamente onde estava. Ao todo foram 10 dias juntos. Eu ia trabalhar e ele ficava estudando, depois saíamos para que eu mostrasse alguns lugares turísticos da minha cidade. Ele fazia Mestrado e dava aulas em uma universidade.

Foram dias incríveis. Realmente era o que a minha amiga havia falado. Educado, atencioso, cuidadoso… Eu nunca fui tão bem tratada antes. Ele quis conhecer os meus pais e eu levei. Aquilo que eu estava vivendo parecia mentira.

 

Expondo as dores

 

Primeiramente tratei de contar absolutamente tudo da minha história para ele. Não deixei escapar nada. A perda do meu filho, o relacionamento abusivo, as violências que sofri, assim como as dívidas que ainda tinha. Eu precisava mostrar a ele que eu era uma mulher cheia de marcas.

Hoje tenho minhas dúvidas se fiz certo. Ele foi muito compreensivo, mas talvez não seja tão seguro abrir tanto as nossas feridas para alguém que estamos conhecendo.

Ele também tinha decepções com outros relacionamentos e me contou algumas.

Ficamos nos comunicando por telefone e acertamos de nos encontrarmos novamente nas minhas férias. Isso durou um ano. O problema já começou aí, mas eu estava tão apaixonada que não enxerguei, mais uma vez.

 

As férias dos sonhos

 

Então nas minhas férias nós viajamos juntos para outro país. Nem o meu e nem o dele. Fomos para o país dos pais dele, acreditam? Fiquei hospedada na casa dos pais dele por 11 dias.

Conheci tios, primos… Vocês têm noção? Ele é filho único e tem dupla nacionalidade. Não nasceu e nem vive no mesmo país em que os seus parentes vivem. A mãe dele preparou um quarto para mim, conjuntos de toalhas e deixou a cama toda organizada. Mais uma vez eu fui muito bem tratada por todos. 

O pai dele fazia questão de nos levar aos pontos turísticos. Fiz caminhadas com o pai dele. Jantávamos juntos a noite. Estava tudo tão perfeito que parecia um sonho. Por que essa criatura não morava no mesmo bairro que eu? Por que ele tinha que morar em um continente diferente do meu e a família dele em outro? Jamais terei essas respostas.

 

Gatilhos

 

Namoramos por 5 anos à distância. A pandemia aconteceu no meio do nosso namoro. Ele dizia que assim que concluísse o Mestrado gostaria que ficássemos juntos e fomos levando a relação assim sem discutirmos nada sobre isso mais seriamente ou detalhadamente.

Após a pandemia, quando as coisas começaram a ser liberadas,  ele já passou a querer que eu fosse embora.  Desse modo vieram todos os gatilhos do passado. Mais uma vez alguém estava me pedindo para abrir mão da minha vida para assumir uma nova história de maneira abrupta.

Outra pessoa estava decidindo de forma egoísta sobre o meu futuro. Falar “eu te amo” não é mais o suficiente. Depois de tudo que vivi? Eu preciso de mais segurança. Alguém que considere a minha história. Entendi que essa pessoa sou eu mesma. Ninguém mais vai pensar na minha história e por isso eu preciso me proteger.

Eu aguardava a vinda dele para conversarmos sobre esse processo com calma e ele me prometeu essa conversa. Eu não ia repetir tudo que havia feito no passado e eu disse isso a ele.

Fui entrando em mais um processo de tristeza, pois já não estávamos mais nos acertando e nem havia diálogo. Antes nós conversávamos muito o tempo todo.

Muitas coisas precisariam ser pontuadas. Eu tenho um emprego estável e 2 cães gigantes. Jamais deixaria meus cães para trás.

Os meus cães ocupam o meu dia quando estou em casa. São trabalhosos, grandes e babões. Toda a minha rotina diária inclui os meus cães da hora que acordo até a hora que vou dormir. Saio para trabalhar e deixo os dois alimentados e prontos para o dia. Ele amava os meus cães. Fazia chamadas de vídeo e conversava com eles e dizia que queria os dois lá. Imagine? Pesam mais de 40kg e têm o focinho achatado. Não existe forma segura de levá-los.

 

O fim

 

Eu gostaria de ter conversado mais sobre isso e sobre como poderia ser feito sem traumas para ninguém. Talvez uma licença sem vencimento para fazermos um teste. Eu já não aguento mais tantas perdas, mas ele foi irredutível. Acabou.

Estou novamente sozinha e cada vez mais tendo esse destino concretizado. Fiquei muito triste. Imaginei que ele tivesse conhecido outra pessoa, mas a minha amiga garante que não. Eles são vizinhos e ela disse que ele continua só. Até hoje ela também não consegue compreender esse desfecho.

Enfim se isso tivesse acontecido há 15 quando ainda não existia a sombra dos meus traumas e medos, sem ter essa certeza de que sempre vou me decepcionar, eu já estaria morando lá com absoluta certeza.

Infelizmente não deu certo. Isso já faz alguns meses e confesso que apesar de toda tristeza com essa situação, estou me saindo bem. Afinal de contas, existe uma dor muito maior morando dentro de mim há mais tempo.

Eu lamento muito pelo fim porque ele parecia ser muito especial, mas fatalmente o relacionamento não poderia resistir a essa distância.

Embora existam casos de relacionamentos que superam essa fase, o meu não resistiu à distância e tampouco aos meus traumas. Foram 5 anos perdidos para mim e para ele. Uma pena.

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